Não me apetece deitar-me. Não tenho sono. Apetece-me olhar para a nossa foto. Ver o "Paris Je T'Aime" vezes sem conta. Pensar. Ler. Escrever. E apaixonar-me por ti à distância.
Não me apetece deitar-me. A minha cama é demasiadamente grande. Objectivamente é grande para comportar apenas um corpo de uns reles 55cm acima de 1 metro. Mas nunca me incomodou. Adoro camas grandes, adoro ter o espaço para me espreguiçar quanto queira. Partilhei-a com cuidado. A casa não. Em casa toda a gente entrou sem eu ter qualquer acuidade, mas reservado sempre o direito de admissão. E houve quem já tenha entrado e não vá entrar mais. Porque posso, porque (não) quero.
A cama não. Delicada nas escolhas da partilha. Deitamo-nos nela e podemos vislumbrar pedaços de mim em qualquer recanto. A música na berma da janela assim como a maquilhagem. Os perfumes. Os óleos de massagens. As velas queimadas nos mais ridículos suportes. O livro de cabeceira. Os peluches, dádivas de quem já não está. Ou já não é. A roupa para o dia seguinte, meticulosamente escolhida para sair da cama o mais tarde possível. As fotos com todos os que estão na minha vida. Os que fazem parte dela e consequentemente de mim. E também dos que não estão nem são já. Sim, esses também...
O quarto e a cama poderiam contar inúmeras histórias. Nas gavetas estão os albuns de fotos, a roupa interior e toda a mais pequena lembrança de qualquer momento, importante ou não. Desde bilhetes de concertos a recortes, a pulseiras de um dia de discoteca. Contam histórias minhas e até de outros.
Mas sempre foi uma partilha delicada, pensada, minuciosa. Sabia que implicava não só a divisão de lençóis e coberta, colchão e almofadas. Seria sempre partilha de mim. E também porque adorava poder deitar-me sozinha, ter o meu ninho, as minhas histórias. A minha sensação de independência. A minha pequena vida resumida em quatro paredes e um tecto, num espaço cuidado e confinado: pouca ventilação, pouco oxigénio. O suficiente para mim.
Agora não me quero deitar. É grande. E fria. Habituou-se ao teu calor, ao nosso entrecruzar de pernas, aos abraços apertados e quentes, à ideia reconfortante de "eu estou aqui" enquanto te belisco com propriedade. Nós virados ao contrário em cima dela, nós dentro da nossa cabana. Tu a saltitares fazendo jus à criança irrequieta que tens dentro de ti e a deixares-me possessa de raiva com as cócegas que fazes nos meus pés. Os beijos fervorosos. Os arrepios. As lágrimas. Partilhamos todo o tipo de histórias que foram.
A nossa história a fazer-se. A ser.
Agora a cama é nossa, o quarto o horizonte. Aqui podíamos nascer e morrer.
Acho que a linha entre a alegria e a tristeza é demasiadamente ténue. Choro se estou extremamente feliz porque depressa me assola o pensamento de que se é bom vai acabar. Se é assim tão bom, dificilmente voltará a ser. Se é fantástico então a partir de agora é sempre a descer. Aproveita. Aproveita. Seize it.
E tu consegues deprimir-me. Levar-me às lágrimas ininterruptas e incessantes.
Não me apetece dormir. Queria que chegasses. Que me começasses a morder até doer. Me trancasses no quarto acompanhada de tudo de mim. Padecer de síndrome de Estocolmo. Mas vou apaixonar-me (mais) por ti à distância.
:)
ResponderEliminarLírica irrepreensível. Sempre no limiar do sensitivo... Fascinante.
PS.: Aposto que depois desse dia acreditas com mais propriedade no poder da mente, não? =P *
Irrepreensível não creio. Se reparares confundo e misturo temáticas até sem razão aparente. Foi mesmo um pequeno delírio de quem não tem vontade de ir para a cama...
ResponderEliminarRsp ao P.S.: Acredito. Na força do coração. Do desejo. Da química. :) E passei a ter vontade de ir para a cama... :)