quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Estado Lynchiano

"This whole world is wild at heart and weird on top" (David Lynch)


É o estado em que me encontro. Estou e interrompo, estou e interrompo. Mas dificilmente saio. Assim que começo a reparar nos pormenores até consigo sorrir - sim, com aquele sorriso que todos acham bonito e que até seduz - no entanto, por dentro estou num alvoroço. Num turbilhão. Fervo e ranjo os dentes. E isto é o meu estado Lynchiano - e para quem conhece o artista, saberá o que quero dizer: as permanentes lutas entre o consciente e o inconsciente; entre o sonho e a realidade.

A distância e até ambiguidade entre o ser e o dever-ser assolam-me. Talvez tenha visto demasiados filmes, ouvido demasiada música pop, escrito e lido demasiada poesia. Tornou-me lírica e inevitavelmente sonhadora. E já não sei o que almejei, mas entre esse súbito rasgo de loucura (ou direi antes, sanidade?) e aquilo que sou, vai uma vida. Não aguento a rotina pré-estabelecida completamente desprovida de paixão e semelhante à de todos os outros. A minha vida é igual à tua, é igual à do trauseunte desconhecido, é igual à de todos. E nessa medida a vida torna-nos fantoches, seres de papel e cartão, de corta e cola, fantasmas. E eu vejo. Eu reparo. E não suporto.

Só porque era suposto ser assim. Só porque foi para isso que estudámos. Só porque é o que esperam de nós. E resignamo-nos. E aguentamos. E esquecemos.

Não sei já porque trilho quero seguir, não sei o meu rumo. Não sei quem ganhará na luta entre a persona e a sizígia. Não sei quando atirar a máscara para o chão, para que a minha voz soe e ecoe unicamente através de mim, da minha essência, do que sou. Não sei distinguir ainda as formas e cores dos meus sonhos. Sei que tenho um coração selvagem e (também) não sei o que fazer com isso.
Há dias assim.



(foto de David Lynch, intitulada "The Air is on Fire")

3 comentários:

  1. Adorei o texto...Mesmo...Revi-me em várias passagens...A dicotomia do ser / dever-ser dá cabo de mim...Questiono-me todos os dias sobre ela.
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    A forma como sinto e porque sinto as coisas...Acho que vin demasiados filmes,ouvi demasiada música, bebi demasiadas palavras, e entreguei-me de peito aberto a diversos sentimentos...Deram-me mais profundidade de pensamento, capacidade de extraír sentimentos de coisas pequenas mas sublimes,que outros não vêm ou sentem,mas ao mesmo tempo,deixa-me mais exposto a poder sofrer por elas...
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    Ou andar numa constância inconstante...De sentir que nada é tão bom ou autêntico, e que as coisas deviam ser de determinada forma,mais puras,menos forçadas..
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    A pressão do que se espera de nós e angústia de todos os dias serem iguais e não me completarem ou darem algo que me faça sentir algo especial todos os dias, também me assusta...
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    O perder-me demasiado no mundo dos outros, naquilo que os outros vêm, e que, por isso, deveria também ver...Irrita-me o pensar em demasia, naquilo que deve ser feito " porque as coisas são como são"...Tenho ainda essa dose de revolta e rebeldia dentro de mim...Uma luta constante entre ser o que se espera,e ser aquilo que sonhamos, almejamos,mesmo quando não sabemos muito bem o que é....só sabemos o que não é...
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    Já me perdi...Mas é que gostei muito do texto e acabei por pensar em "voz alta" e partilha aqui com o teu espaço, a série de pensamentos e sentimentos que as tuas palavras me despertaram.
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    Adorei o texto. Bom saber que há alguém que ´veja o mundo dessa forma...
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    Beijinhos

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  2. 'Estou e interrompo.'...
    Estás e interrompes. Também eu estou e interrompo. Estamos e interrompemos.

    Já havíamos conversado sobre isto no outro dia... Este 'rame-rame' da rotinazinha... O passo que toda a gente está à espera que dês. Ou que não dês.... Como não estar? Como não voltar a estar?...

    É por estas e por outras (tantas outras...) que és a minha Pessoa. Porque não só não estranhas este tipo de estados, como és das primeiras a experienciá-los...

    O meu progenitor diz-me muitas vezes - o que dizia o Manel - que 'são efeitos secundários da poesia'... 'Livros são só livros, Joana...', ao que acrescenta, o ancestral, 'Uma andorinha não faz a Primavera... não faz...'

    Eu cá não sei... Sei que esta dicotomia do real e do ideal sempre me perseguiu... A obsessão de ver, mais do que olhar.
    Sei que isto não pode ser só isto, não achas? Caso contrário, bastava-se. Não?

    E não se basta. Não se basta...

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  3. Obrigada por terem gostado tanto! Fico contente por vos deixar a reflectir e vos tocar em algum sentido. Dá que pensar mas não pretendo ser compulsiva. Apenas quero comentar o seguinte:
    Felizmente que este estado não é constante, sob pena de me afundar nele e levar toda a gente à minha volta a rasto.

    E o vosso problema - para ambos - é que esta mera reflexão que eu tenho pausadamente, quase que vos persegue a tempo inteiro. Vocês não podem pautar a vossa vida por esta pequena obcessão. "Há dias assim" e acrescento "felizmente que não são a maioria!" :)

    Eu vejo o mundo assim, eu reflicto sobre este estado. Mas interrompo. Na maior parte das vezes, estou na pausa. Porque (ainda) faço todas as tentativas para que o dever-ser não me consuma nem me abafe e, na generalidade dos meus dias, sou uma pessoa feliz.

    Tudo uma questão de equilíbrio... ;)

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