'Compreendo que não tenhas tremido quando a tua mão
deslizou pela página, deixando as linhas em branco. Nada do que
não escreveste está errado: nem o nada que leio, linha a linha, me
obriga a corrigir o que quer que seja. Nem riscos a vermelho,
nem notas à margem: o branco obriga ao branco, e de uma ponta
à outra é este branco que eu tenho pela frente, sem nada para
ver além das próprias linhas azuis, como linhas de horizonte
nesse mar que é a tua cabeça vazia. Mas obrigas-me a partir
para dentro dele, com o batiscafo das profundezas, em busca
do que se esconde sob o teu branco. Talvez fosse melhor olhar-te
nos olhos, e descobrir no centro da íris esse espaço, a que uns
chamam abismo de si, onde se decide o que há para fazer
quando o papel está vazio, e só a mão que escreve pode fazer
alguma coisa para transpor as linhas que se abrem, rectas
e azuis, pela frente do que não sabes. E entregas a decisão ao nada,
o que talvez seja a mais sábia das decisões para quem está perante
o que não escreveste, sem saber ao certo se o branco pode ser uma
resposta ao que te perguntaram, ou se és tu que transformaste
em nada tudo o que aprendeste[...]'
* 'O branco obriga ao branco.'
Viro a página.
deslizou pela página, deixando as linhas em branco. Nada do que
não escreveste está errado: nem o nada que leio, linha a linha, me
obriga a corrigir o que quer que seja. Nem riscos a vermelho,
nem notas à margem: o branco obriga ao branco, e de uma ponta
à outra é este branco que eu tenho pela frente, sem nada para
ver além das próprias linhas azuis, como linhas de horizonte
nesse mar que é a tua cabeça vazia. Mas obrigas-me a partir
para dentro dele, com o batiscafo das profundezas, em busca
do que se esconde sob o teu branco. Talvez fosse melhor olhar-te
nos olhos, e descobrir no centro da íris esse espaço, a que uns
chamam abismo de si, onde se decide o que há para fazer
quando o papel está vazio, e só a mão que escreve pode fazer
alguma coisa para transpor as linhas que se abrem, rectas
e azuis, pela frente do que não sabes. E entregas a decisão ao nada,
o que talvez seja a mais sábia das decisões para quem está perante
o que não escreveste, sem saber ao certo se o branco pode ser uma
resposta ao que te perguntaram, ou se és tu que transformaste
em nada tudo o que aprendeste[...]'
Nuno Júdice
in 'A Matéria do Poema'
in 'A Matéria do Poema'
* 'O branco obriga ao branco.'
Viro a página.
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