A BONECA - Aquela hora que não passa... aquela hora que ainda não veio... aquela hora que deixa passar as outras adiante... as horas de esperar!...
O BONECO - Deixa estar calado o meu coração...
A BONECA - Dá-me a tua mão!... que eu saiba da tua mão... Que as tuas mãos não sejam as minhas!... que sejam outras mãos como as minhas... As minhas mãos não me bastam... faltam-me outras mãos como as minhas!
O BONECO - É assim que bate o coração...
A BONECA - Dá-me a tua mão!... que os nossos corações sejam a repetição um do outro como é justo!... Que as tuas mãos me tragam festas, me tragam paz... paz que se ganha!...(Pausa.) Dá-me as tuas palavras!... essas que tu guardas... essas palavras que não morrem, nem se matam!... essas que lembram o mar... o mar que nunca pára... o mar que não se cansa... o mar que insiste... o mar que não se gasta.
O BONECO - Cala-te, coração! Deixa ouvir o mar...
A BONECA - Tu também viste o mar?
O BONECO - O mar foi feito por nossa causa!...
A BONECA - Ah!... É assim, juro-te, exactamente assim o mar... Oh! Como tu o viste bem! Dá-me a tua mão p'ra ser tão grande o silêncio...(Pausa.) O mar!... não acaba nunca o mar!...
O BONECO - O mar começa sempre...
A BONECA - É como o coração dentro de mim!... E nunca sai do peito o coração!...
O BONECO - Como pode mudar-se o coração?...
A BONECA - Às vezes a luz brilha no mar... como se tivesse chegado a hora...
O BONECO - É a fé! É o coração que não se engana!
A BONECA - Mas quando o sol desaparece fico eu tão sozinha! Fico a pensar no que tem acontecido... e não sei o que me falta!... Se não fosse o luar, ainda ficava mais sozinha!... Se me ponho a pensar que o luar me faz companhia, sinto-me enganada! E nos dias em que chove, a chuva também foi enganada...
O BONECO - A quem acredita no coração tudo serve de engano.
A BONECA - Mas quando é o coração que fala, parece-me de mais p'ra mim.
O BONECO - O coração é maior que nós!
A BONECA - E eu sou tão pequenina! P'ra que me deram um coração tão grande?...
O BONECO - Deus fez-nos um coração p'ra não sermos tão pequenos como nós...
A BONECA - Mas é que não tenho forças p'ra ele! Ele é grande de mais p'ra mim! Tu já reparaste bem como eu sou pequenina?
O BONECO - Tu és do tamanho dos que têm coração.
(...)
Peça de Almada Negreiros
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