Sempre me disseste que nunca
serias meu. Tornou-se cada vez mais difícil subir ao teu ego, arrancar-te desse
pedestal que para ti construíste – porque o permiti –, despir-te dessa postura ensimesmada. Não te atrevas a
dizer que o problema é meu: típico.
Já me perguntei por inúmeras
vezes e reitero “que jogo jogas agora enquanto a minha clepsidra se consome?” –
tu sabes que há mais vida além de ti, apenas pretendes fazer o jogo de Deus,
como se a tua existência dependesse apenas de ti e o meu amor fosse
descartável: os meus beijos são iguais aos de qualquer outra, a minha pele em
tudo se assemelha à pele da transeunte que se cruza connosco, o meu cheiro
confunde-se com os tubos de escape das horas de ponta do Porto: tudo em mim é
igual ao tudo das demais.
Esqueceste-te dos
pequenos-almoços na cama, dos chocolates desembrulhados, do tubo da escova de
dentes sempre cheio, da depilação sempre perfeita, da lingerie ocasional – que custava mais que o meu (ocasional)
ordenado. Esqueces-te da magia por detrás das pequenas rotinas: está aqui
connosco, agora, no sofá, enquanto os nossos dedos dos pés se tocam e nos rimos
a ver as morbidades de nip / tuck; está aqui quando cheiro a tua barba e ainda
sinto o odor do dia em que nos conhecemos; está no deitar – aconchegado,
apertado, quase sôfrego –, está no adormecer e tolerar o teu roncar.
Não, não me digas que o trabalho
te consome e que esse é o nosso único problema – podes não fazer nada que nada
muda: sou o mero adereço que te ajuda a ultrapassar as rotinas; o barato adorno
para levares às festas (onde eu leio no teu olhar, o desejo de levares uma
qualquer estranha para casa, para lhe fazeres exactamente o mesmo que fazes
comigo: aposto que nem aí teria inovação); a simpatia quase verdadeira para
apresentares à família.
Não me persuades com o teu
ajoelhar de ontem nem com os quilates que poderia trazer aquele anel. Não me
convences porque apresentaste a carta de demissão, nem porque choraste
compulsivamente quando te disse que não.
Não me tomas por louca, nem por
incoerente: francamente, já não sei qual repugna mais o outro, neste atravessar
dos dias aos quais costumamos chamar viver. Mas há sempre uma certeza que não
derrubas, por mais que digas que magiquei e te matas de seguida: posso amar-te,
mas gostarei mais de mim, sempre.
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