A minha mulher que eu amo é nota vinte na Escala de Musa. E nota
vinte na Escala de Tusa também. Tem tanto de deusa como de fracasso, tanto de
santa como de puta. A minha mulher que eu amo não é a mulher mais bonita do
mundo e é por isso que é a mulher mais bonita do mundo. Não diz sempre as
palavras certas, não procede sempre da melhor maneira, nem sequer é infalível
quando se propõe fazer algo e é menos de metade do que aquilo que queria ser. E
ainda assim nunca deixou de me dar as palavras necessárias a cada momento, os
actos que eu preciso quando eu preciso deles, e atingir o destino que ambos
queríamos atingir. A minha mulher que eu amo tem tanto de céu como de inferno,
tanto de branco como de preto, tanto de noite como de luz. Farto-me dela porque
só ela me farta, só ela me enche e preenche, só ela me faz sentir-me inteiro
quando me falta tudo e só tenho a ela. Fode e faz amor comigo, grita, chora e
geme com a mesma verdade. Zanga-se, atira-me com coisas ou pensa que atira só
para se sentir melhor, não tem medo de mostrar o que lhe dói nem tem medo de
mostrar o que a deixa eufórica. É tão pessoa como eu, tão actriz como eu sou
actor, quando às vezes sentimos que o mundo pode cair e depois nos colamos um
ao outro, e colamos, tijolo a tijolo, o que há para colar, e o mundo continua a
rodar, sabendo que basta estarmos juntos para nada impedir o nosso caminho. A
minha mulher que eu amo tem ciúmes e não os esconde, tem vontade de partir a
cara a umas quantas, o secreto desejo de que mais ninguém me veja, para que só
ela me possa ver. E eu tenho os mesmos ciúmes, a mesma vontade de esmagar de
pancada quem simplesmente a olha e gosta, o nada secreto desejo de a guardar só
para mim, fechada no nosso cantinho de para sempre. Mas depois o mundo chega e
até nós gostamos. Gostamos de descobrir que a água do mar é fria demais mesmo
quando é quente, que quando o frio aperta somos mesmo um corpo unido por quatro
braços, que conseguimos rir até das pequenas desgraças das nossas diferenças.
Debatemos ainda de qual de nós os gatos gostam mais, fazemos apostas que
invariavelmente e incompetentemente perco e me fazem estranhamente sentir-me
vencedor por dentro do sorriso dela. A minha mulher que eu amo tem a pele
absoluta, o corpo derradeiro. Tem tanto de pecado como de remissão. É a minha
musa e a minha tusa, o poema total e o orgasmo pleno. Tem tanto de independente
como de precisada. Tanto de forte como de frágil. Tanto de morte como de vida.
Tanto de alicerces como de terramoto. Tanto de fera como de presa, assassina
feroz e pobre vítima. Gosta que a amem, simplesmente, de sentir-se amada por
quem fatalmente ama. Sou dela, como nunca de ninguém. Teu, sim. Vem.
(*) Pedro Chagas Freitas
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