Sado-langores e maso-delícias

Estou ao telefone. Vontade de gritar, irromper num pranto de soluços irrespiráveis, esganar-me como fruto do inevitável sufoco.

Não me entendes, não te entendo, não nos entendemos; não me captas; não me conheces; não me queres conhecer.

Ainda não sei quando me tornei a típica pirralha mimada, plena de convicções, exigências, sempre prestes a refilar, resposta na ponta da língua, bisca que, assim que obtém resposta aos seus variados impropérios, reage com caos, soluções, resoluções e ultimatos.

Cabelo curto em desalinho, pele em alvoroço devido ao eqzema derivado do orgulho. Sou feia, achas-me feia. Pior: sou chata, definitiva e incontornavelmente chata.

E tu? Tu és criança, campeão na arte do desconversar, descontrolado na tarefa de atirar piadas numa conversa séria, além de adorares apimentar com ironias e tomadas de decisão exclusivamente unilaterais. Apostas na posição defensiva, coisa que me irrita. E não me ouves, respondes apressadamente, concordas ou discordas demasiado depressa. Não é possível que me ouças. E não, jamais me escutas. O Gandhi ouvir-te-ia com a devida acuidade e ele tentaria, com a força do sangue que o pulsa, arrancar os próprios cabelos. Juro!

Desligo o telefone. Suspiro. Sorrio. Mais uma epifania sobre o eu e o eu em que me tornei. E em como precisava de alguém como tu para me revolucionar e impedir que me desintegre.

Não há nada que me dê maior gozo do que as disputas de namorados recém-chegados. A permanente luta pelo próprio espaço, os conflitos da personalidade já formada; as cedências. A guerrinha de alguns orgulhos. As liberdades a contrastar e cada um a puxar do seu lado da corda. O pleno e efectivo conhecimento do outro. As lágrimas seguidas de um gesto de carinho.

Fascino-me. Repetidamente fascino-me.

E o amor é também isto, "sado-langores e maso-delícias".

Mas eu alguma vez ousei queixar-me?!