Num filme de Amor, o início é quase sempre prodigioso: numa tarde de chuva, encontram-se debaixo do toldo sem qualquer porto de abrigo alternativo excepto aquele que encontrarão um no outro; miram o seu lado e os olhares cruzam-se. O olhar é já fatal, a retina pulsa e explode à medida do lado esquerdo; a paixão está instalada e nem conseguiram ainda sentir o cheiro do cabelo do outro. Se se aproximarem, não precisarão de se despir: as feromonas tomam conta dos sentidos, sentem já o odor da pele do outro. Despedem-se após aquele encontro com tanto de intenso como de curto, mas o olhar no adeus é já mais intenso. Para a semana, fruto do acaso, encontram-se noutra esquina no lado oposto da cidade. Numa cidade com milhares de habitantes, tal coincidência deixa de ser acaso: é destino, é obra de Deus, é irrecusável. E é perfeito.
Nós não ganharíamos um oscar, mas o filme seria aplaudido. Uns anos depois, porque nesta época, no agora, ninguém entenderia, ninguém apreciaria. Sim, uma espécie de Kubrick versão lamechas. Talvez estejamos fora de tempo, acima dele, a umas décadas daqui. Passadas essas temporadas, o argumento já não poderia ser premiado, mas seria de notável mérito, reconhecido e aclamado, citado e copiado. Filme de culto.
Eu própria estou fora do nosso tempo: considero-nos inexplicáveis, inalcançáveis, além de toda e qualquer compreensão lógica. Guião perfeito.
Tudo começara com um toque no ombro. (Re)Conhecemo-nos a um 17 de Março não chuvoso. Não padecemos de imediato dos síndromes fatais da paixão. Mas reparei imediatamente no teu cheiro - imutável até hoje, por mais mutável que seja o teu perfume. Mas nada de alergias, nada de pontapés no estomago, nada de trincas na língua. Ficaram os números trocados e um adeus mais lento que aquilo que seria prevísivel.
Estávamos em estados diferentes de vida e éramos já, como ora e todos os dias se comprova, totalmente diferentes. Tudo para não dar certo, apesar do lirismo do "opostos atraem-se".
Num resumo para apenas aguçar a expectativa do espectador, em tom de teaser, só se pode adiantar que os passos dados desde então foram de gigante. São já incontáveis as cenas. A realidade é tão fidedigna a si mesma que apenas um take é usado para cada uma.
Eu digo asneiras, tu dizes coisas certas;
Eu atento, tu distrais;
Eu faladora, tu silente;
Eu choro, tu ris;
Eu desespero, tu acalmas;
Eu sento, tu danças;
Eu sossego, tu não páras;
Eu sorrio, tu sorris;
Eu abraço, tu abraças;
Eu quero, tu queres;
Eu preciso, tu precisas;
Eu sinto, tu sentes.
Eu, tu, nós estamos.
Tu, eu, nós somos.
Tu fazes-me voltar ás origens: perceber aquilo que realmente é importante, a matéria de que sou feita e o que quero ser. Chamas-me a mim. Devolves-me às cores que tenho, tiras-me dos trajes cinzas, castanhos e pretos.
A partilha tem sido infindável. Pomos o máximo que somos no mínimo que fazemos, como Reis aconselharia. Creio que é por isso que somos tempestade: quanto mais damos de nós, quanto mais queremos conhecer o outro, quanto mais recebemos, maior é a intensidade em tudo que nós comportamos e a mesma revela-se em todos os sentidos - a partilha inesgotável traz tantos sorrisos quanto desavenças. Mas nem eu saberia viver muito longe do (ligeiro) estoicismo que me é característico.
O que me importa é a noção que estamos, inteiros. Para contar os cappuccinos à cama, os bacalhaus espirituais, a fruta descascada, os banhos de imersão, os passeios daqui-a-ali, as esplanadas, as velas aromatizadas, a limpeza da casa, as sessões de cinema, as noites agarrados (sem excepção), as minhas queixas, as tuas desculpas, as minhas pequenas fúrias, a tua enorme doçura, os meus devaneios, as tuas chamadas à terra.
Partilha e equilíbrio. E o teu sorriso.
Todos os ingredientes para um bom filme de Amor, mas com a seguinte advertência: demasiado intenso para se reduzir a um filme de Domingo à tarde. Permitido, somente a maiores de 16. Por respeito, naturalmente que as pipocas estão totalmente proibidas.
Previsão? Vai acabar bem. Nenhum de nós imagina, equaciona qualquer outro desfecho.
O filme será perfeito dentro de todas as imperfeições. É possível, eu juro. Para quem não entendeu a complexidade do argumento... eu avisei: daqui a uns anos.
E depois perguntam-me por que raio tenho Fé. Claramente, não viram os mesmos filmes que eu :')
ResponderEliminarSem pipocas. É um facto. Mas deliciosamente, em Tempo Real *
"Sem pipocas. É um facto."
ResponderEliminarTu sempre foste uma menina um tanto fora do seu tempo...
Como me entendes tão bem... :D *