quarta-feira, 2 de março de 2011

Interstícios Eternizados.

'Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo quanto sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus, em sangue, embalando a própria dor,
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma beberá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Aqui, deposta, enfim, a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.
Aqui livre sou eu - eco da lua
e dos jardins, os gestos recebidos.
E o tumulto dos gestos pressentidos.
Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
não pelos incertos actos que vivi,
Mas por tudo quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.'

Sophia
de Mello Breyner Andresen


* Foto: Meu 'Bairro dos Interstícios'
Barcelona, Dezembro de 2010


1 comentário:

  1. :')
    Adoro, pois claro!
    Vou respirar este poema e depois também já tenho um de Sophia na ponta da língua! Que, por sinal, me foi dado por uma Aprendiza... :)

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