terça-feira, 24 de maio de 2011

Infância


Cada vez mais acredito que o Amor é o expoente de uma nova infância, chama a criança que há em nós. Todos a temos, precisamos de quem a nos saiba melhor despertar.
O teu olhar é de criança, o teu coração é puro. Não há ponta de maldade em ti, nem malícia. Alma límpida e cristalina.
Atiras-me contra o tapete, lutamos, fazes-me cócegas intoleráveis, belisco-te, mordo-te, grito. Temos o Palácio, para a nossa macaca ou para o repouso de um gelado. Segue-se um abraço lambuzado.
Tomamos banho, deixas-me furiosa de sabonete nos olhos e na língua.
Cantamos. Vemos um filme e choramos, choramos compulsivamente. Olhamos um para o outro, escacamo-nos de riso, a sintonia pode dar para isso.
Contamos segredos. Deitados na cama, os poros revelam-nos. As palavras também: confiamos os sonhos que não tivemos nunca coragem de partilhar. Os pressentimentos, as fobias, as certezas cósmicas, aquilo que mais ninguém entenderia excepto o outro. O tecto e as quatro paredes são os únicos confidentes. Sábios confidentes, percebem a partilha ali revelada, nada contam a ninguém.
Olhamo-nos de frente, tão de frente. Sob a luz vermelha ténue, sob o toque das velas, sob a luz solar, sob a luz lunar. De frente sempre. De dentro, sempre.
Fazemos birras constantemente, teimamos, berramos, pedinchamos por mimo. No fim do dia não resta sequer o amúo, passou, é uma breve memória que não importa, não nos altera, não muda o que sentimos.
Passeamos constantemente e até a rua onde passo todos os dias tem outro encanto quando o teu braço pousa nos meus ombros, ainda mais quando a tua mão repousa na minha anca. Todos os lugares são recheados de magia, onde quer que vamos. Em todos me apetece saltitar, brincar, correr, acalmar, olhar(-te), saborear(-te). Todo e qualquer acontecimento insignificante torna-se especial, desde que possa sentir o teu cheiro envolvido no meu.
Quero falar de ti a todo o tempo, inserir-te ridiculamente numa qualquer conversa, de modo aleatório, até desnecessário; encontro uma pausa na respiração do outro, umas reticências, um soluço e logo surge o teu nome. Fico pessoalmente ofendida quando não me perguntam por ti, é sinónimo de não quererem saber de mim.
Faço beicinho quando estou uma semana sem te ver e ainda me parecem meses.
Arrepio-me de cada vez que falas ao ouvido, enterneço com cada bilhete deixado num guardanapo.
Apetece-me dar beijinhos, constante e incessantemente. E rir, rir ainda mais!

A menina chega ao pé do menino e diz-lhe:
"És o menino mais bonito do mundo. Gosto de ti".
Cora. Consegue dar-lhe um beijinho tímido na bochecha esquerda. Cora tanto.
Foge.
Ele não teve ainda oportunidade de lhe dizer que também a achava a mais bonita, a mais bonita da escola e que gostava dela desde sempre.
Os miudos, traquinas, cantarolam "olha os namorados, primos e casados (...)"!
Ele também foge.
Amanhã manda-lhe um bilhete, tenciona.

O mundo é o nosso recreio.

(quadro: "O Jardim", Joan Miró)

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