quinta-feira, 2 de junho de 2011

"Sobre a Felicidade"

"Feliz é uma coisa que se é ou não é. Não se pode "estar" feliz. Pode-se estar bem disposto, pode estar-se alegre, pode estar-se satisfeito, mas feliz é a coisa que simplesmente não faz sentido estar. Ou se é ou não se é.

Feliz é também uma coisa que ninguém se torna, que ninguém fica e que ninguém compra. Ou se é ou não se é. É como ser louro (apesar de eu achar que ser feliz é mais parecido com ser moreno). As pessoas felizes são aquelas que têm vergonha de falar nisso. Em Portugal, dizer "eu sou feliz" é como dizer "eu sou rico". É escandaloso.

Para se ser feliz é preciso ser um bocado parvo.

As pessoas felizes só pensam nos outros. É como se não existissem. É por isso que conseguem ser felizes. É uma ilusão de óptica muito bem feita. Ninguém é mais feliz que o homem invisível.

Para se ser feliz é preciso ser-se um pouco cegueta. Entre as coisas que as pessoas miseráveis, normais, estão sempre a chamar às pessoas felizes, há: ingénua, lírica, naïf, boazinha. Aquela de que gosto mais é "Vives noutro mundo!". Haverá coisa melhor que viver noutro mundo, para quem conheça minimamente este?

Em Portugal, a felicidade é reprimida. A felicidade, em Portugal, é considerada uma espécie de loucura. Porquê? Porque os portugueses, quando vêem uma pessoa feliz, julgam que ela está a gozar com eles.

Ninguém tem pena das pessoas felizes. Os portugueses adoram ter angústias, inseguranças, dúvidas existenciais, porque é isso que funciona na nossa sociedade. As pessoas com problemas são mais interessantes. Nós, os tontos, não temos interesse nenhum porque somos felizes.

E, no entanto, as pessoas felizes também sofrem muito. Sofrem, sobretudo, de culpa.

As pessoas felizes precisam de se afirmar, de deixar de fingir que também estão permanentemente na fossa. Devia haver emblemas grandes a dizer "EU SOU FELIZ E ESTOU-ME NAS TINTAS" ou "EU SOU FELIZ E NÃO TENHO CULPA".
As pessoas felizes também choram, também sofrem, também se angustiam. Só que menos. Aliás, muito menos..."

(Miguel Esteves Cardoso)

Este texto escorrega-me pela ponta da língua há já algum tempo. Rodeada que estou de pseudo-intelectuais, orgulhosos do seu estoicismo, vaidosos do interessantes que são por terem um lado sombrio que os impedirá sempre de alcançar a felicidade na sua plenitude. E a dos que os rodeiam, diga-se de passagem.
Ao contrário do Miguel - com a devida vénia - creio que a felicidade também chega para quem (ainda) não a sentiu. Acredito que somos (e não estamos) felizes, mas que não nascemos sob essa condição quase fatalista. Não, também é um caminho que se constrói.
Mas não se alcança facilmente porquê? Porque insistem em viver nas suas não histórias, nos seus não lugares, nas suas palavras não proferidas, nos olhares não trocados - sempre entre parêntesis para dar azo à interpretação positiva. Mas não. "Não" é um advérbio que exprime negação. Exprime o contrário de "sim" e não há parêntesis que salvem essa condição. É perspectiva negativa. À qual se agarram tentando ver o conceito poético por detrás do que não aconteceu, quando a vida é feita do que (sim) acontece(u).
Feita de histórias, lugares, palavras, olhares. Que existiram efectivamente. Não me refiro a lugares físicos - consigo ser mais profunda que isso, não obstante ser feliz - mas sim a lugares até metafísicos onde nos encontramos. Estados de alma, se preferirem. Lugares cósmicos. Intimidade, cumplicidade. Que existiram.
Todas as não histórias das pessoas tendencialmente infelizes se resumem a um acontecimento profundo, que acaba ou começa em lágrimas. Quando estão tristes encontram-se facilmente, sentem que se conhecem mais verdadeiramente. As pessoas aparentemente felizes ficam de lado pois nunca alcançariam tal estado de comunhão plena. Não entendem, não da mesma forma. Porque não estão sempre preparadas para o pranto, porque dizem "avança" ao invés de "ouve esta música triste e curte a fossa". E um "avança" não é o que preferem os estóicos ouvirem. Preferem um não avança. Entre parêntesis, naturalmente.
Já me agarrei a não vidas, mas houve uma altura para partir. Se me custou? Pois claro. Se tenho um lado sombrio simplesmente fascinante? Tenho, pois, quem não? Se em certa medida esses não acontecimentos me tornaram mais amarga? Possivelmente. Mas uma pessoa feliz, simplesmente encontra a felicidade, não espera - lamuriando-se - que lhe bata à porta.
Chega de nos alimentarmos daquilo que não sacia, chega de viver em fantasia que não se concretiza. Agarremo-nos a tudo que seja feito pela positiva e deixemos as características tão portuguesas como a saudade, a nostalgia e a desmesurada tristeza. Desejo que a vida de todos que gosto, seja efectivamente, pautada por um grande e forte "SIM".
Chamem-me fria, superficial ou até desinteressante. Prefiro todas essas denominações a resumir-me a uma não existência.

"EU SOU FELIZ E ESTOU-ME NAS TINTAS!"

P.S. Houve uma fase em que realmente as pessoas com mais problemas me pareciam mais interessantes. Agora entediam-me, daí o presente texto.
P.S.2. - Acredite-se ou não, em nada este texto vai contra a minha nova nomenclatura. 

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