terça-feira, 11 de outubro de 2011

Lado-a-Lado


As pisadas que demos em conjunto ficaram-me tão calcadas quanto fazem de mim aquilo que sou.
Ele nunca gostou de praia - ou pelo menos da parte da 'chata' da areia que deveria ser totalmente removida do planeta e substituída por relva - mas ela sempre adorou, talvez por ter nascido em plena Copacabana.
Ainda assim recordo-me dos passos a três, até a quatro quando o meu irmão se juntava a nós naquela fase complicada da adolescência. Lembrei-me e cheirou-me a mar, vi a cortina a esvoaçar, o fumo a esvair-se pelo ar.
Colei todos os frames e resultou num filme, daqueles enternecedores.

Pois que tal tem uma razão lógica (melancolia não costuma ser uma sensação que tenha frequentemente): nas arrumações do material de estudo, deparei-me com o meu caderno de "Frases e Poemas": frases de outros, poemas meus.
E recordo-me, recordo-me de modo cristalino, de os escrever no ápice de uma paixão - se bem me lembro, apaixonei-me pela primeira vez aos cinco anos de idade e desde então não intervalei - e de lhos mostrar. Também escrevi para eles e para o meu irmão (não creio que ele alguma vez tenha lido). Era uma espécie de diário em forma poética e eu nunca me coibi de lhos exibir. Gostaria de saber quantas pessoas tinham coragem de fazer o mesmo com os próprios pais. A minha melhor amiga não lia os meus poemas, o autor da minha paixão muito menos... Liam os meus pais, criticavam um bocadinho aquilo que deveria melhorar a nível de escrita, enriqueciam-me as ideias e, mal podia eu crer, que a partilha que nesses instantes se criava era singular e faria de mim aquilo que me tornei.
Lembro-me de mostrar á Mãe enquanto ela cozinhava, mostrava ao Pai enquanto ele ouvia o seu jazz. Cheirava sempre a mistura de tabaco e de perfume... A Mãe combinava essas essências com a dos cozinhados... o Pai tinha (e tem!) o melhor cheiro do mundo, daqueles que me faziam vestir a sua camisa interior, cheiro imutável até hoje que nem cem cigarros disfarçam.
Eram - e são! - apenas quatro pares de pernas. Nunca precisei de mais. Não lamento a família pequena, os Natais na ausência de crianças a correr além de mim, a falta de trocas infinitas de prendas, a inexistência de uma avó terna que me trouxesse sabedoria. Tive tudo, compactadinho em oito pernas. Oito pernas que por muito passaram e conseguiram chegar ao 'meio da linha' intactos e unidos. Seis se só me referir aos meus pais, com quem tenho a verdadeira simbiose. Seis pernas a caminhar, quatro ouvidos para me escutarem. Não trocava por nada neste mundo. Se consigo ver o filme e sentir tamanha nostalgia e alegria, não terei tido tudo que precisava?

"Aos meus Pais"
Não me recordo da primeira vez que vos vi,
Mas de certeza que vos amei desde aí!
Não me lembro da primeira vez que me foram adormecer,
Mas deve ter custado, posso crer!
Não me recordo do primeiro banho que me deram,
Mas acredito que com carinho e cuidado o fizeram.
Não me lembro do primeiro beijo que recebi,
Mas decerto que fiquei feliz e sorri!
Agora há algo que sei que jamais esquecerei...
Sei que muito me amam,
E que para sempre amar-vos-ei!

(Jil, 1998)

Aos vinte e seis lembro-me de tanto...dos beijos, dos carinhos, dos colos, das discussões, das birras, dos abraços, das vozes, dos cheiros. Dos meus temores e de como me acalmavam. Tento englobar em mim todo o tempo que passou, ver o quão me 'agigantaram', ver o que sou. Almejar a ser um dia (quase) tão grande quanto eles. Caminhar ao seu lado, aprender sempre mais, por muitos e bons anos.

"Pobre daquele que, aos 30, não chegar à conclusão de que, afinal, o pai é o melhor homem que encontrou" - Joel Neto in Notícias Magazine. E a mãe a melhor mulher, acrescento humildemente.

4 comentários:

  1. Que coisa mais fofinha...:). Gostei mt.Até eu fiquei com nostalgia de algo que nem presenciei...:)

    Beijinhos.
    ~
    ass. Ricardo Costa

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  2. É provavelmente o post mais 'gayzinho' e infantil que publiquei até agora xD
    Não me costuma dar nostalgia de infância nem de adolescência, nem me costuma ocorrer pensamentos do géneros 'antes é que era bom' ou 'os tempos de secundário é que foram'! Não sou mesmo nada nostálgica. O que foi, foi, esperando que tenha sido o melhor possível e que me tenha enriquecido. O que é, é. O que será, será.
    Mas encontrar aquele caderninho, trouxe-me tantas memórias, tantas! Não resisti em partilhar! :)
    Obrigada :')
    Beijinhos *

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  3. 'Colei todos os frames e resultou num filme, daqueles enternecedores.'

    :') So sweet... Quem assiste ao filme, do lado de cá, não tem como não ficar comovido.

    PS/ Bem, tu eras muito do dotada para a artes! Ele era 'família de cães', ele era pUsia! Quanto talento desperdiçado, Gosh!

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  4. Sim, se falares com o meu Pai sobre isso, ele certamente dir-te-á que eu sou uma artista por descobrir! :D

    :)

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