terça-feira, 26 de março de 2013

Vive Leónidas


O ford vermelho tingira-se de preto: era noite e Leónidas sempre tivera impulso próprio para se camuflar na mesma; era dele. Na noite tudo poderia acontecer e a cacofonia não mais se fizera ouvir sentir: era silêncio que escutava e até o seu respirar pesado carreava sofregamente, a doer: nos ombros.

Amante da noite, nela tinha nascido: peludo, de olhos abertos; demorou três dias para o primeiro choro, quase o julgavam morto. Era vivo, provou-se agarrado à vida mais que ninguém – e, por essa razão, recusava-se a chorar: o choro cheirava a podre, sangue e suor – e não é vida tão mais que isso?

Recusava-se ser clone: que mania os desta raça nos obrigarem a tornarmo-nos umas merdas de umas marionetas! Puxa a corda daqui, estica dali, faz um sorriso plástico: finge-te. Finge-te sensível, amigo dos animais, caridoso com os pobres, importado pelos demais. Finge-te. Puxa a corda, acena o braço direito, estica as rugas. Leónidas tinha mais para ser do que um boneco postiço! Pesa-lhe tal possibilidade: nos ombros.

A vontade da carne; os pensamentos para si só (como se os pudesse ou conseguisse partilhar!); o seu cigarro sensitivo; o cheiro do pescoço de uma mulher, a simbiose dos pelos das costas dela flectidos perante si: é isto, precisamente isto, nada menos que isto – a vida.

Ninguém ensina Leónidas a viver: da noite que se fez dia, sem hipocrisias nem falsos moralismos… Leónidas é tudo quanto queremos (e não podemos) ser.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Pulsa!