terça-feira, 23 de julho de 2013

Chagas - Parte II

Imagine que é, literalmente, o advogado do Diabo.
Escreva o que vai dizer em pleno tribunal.
 
Quanta injustiça se fará nesta sede, Meritíssimo, caso decida pela condenação do Sr. Diabo, ao qual não pode ser assacada qualquer responsabilidade, culpa ou dolo!
Senão vejamos e com a V/ permissão:
Nós somos feitos à imagem e semelhança do Sr. Diabo, não tendo ele mais feito senão
reproduzir aquilo que todos sentimos e nos frustramos em ser, fazer e alcançar.
A vontade da carne - a tentação rosada, fresca e tenra da mesma - não é a sensação que nos pulsa nas veias, que nos eriça os pelos, que nos traz a nós mesmos, que nos delira e nos conforma, que faz de nós, então, Humanos?
Recusemo-nos a ser meros clones, Meritíssimo! Os Humanos têm de se resumir a ser mais do que baratas marionetas! Puxam a corda daqui, esticam dali, pretendem sorrisos plásticos: fingidos! Fingem-se sensíveis, amigos dos animais, caridosos com os pobres, importados pelos demais. Fingem que reciclam e quando ninguém nota são os primeiros a enfiarem o óleo pela sanita, pelo mesmo sitio onde enfiam sempre a paixão; a paixão que têm e fingem não ter!
Fingem-se. Puxam a corda, acenam o braço direito, esticam as rugas: bonecos de plástico reles!
Por favor, não sejamos hipócritas, nem falsos moralistas… não nesta sede, Meritíssimo, onde apenas pretendemos não punir um inocente: ou, se entender, pecador, mas não mais pecador que eu ou o Meritíssimo, ou todos os presentes nesta sala.
Já vai o tempo em que a luxúria era considerada um pecado mortal: admitamos, a igreja católica mais não fez que trazer peso à consciência dos seus seguidores, dos sentimentos que sabem que têm sempre de carrear na condição de humanos. A igreja católica pune e ameaça com as trevas aqueles que ousem sentir: em pleno, onde deve ser: na pele, no estomago, na cabeça, nos genitais. Por isso se fingem! Na esperança de obterem um lugar no Céu comprado – mais comprado que a licenciatura do Miguel Relvas, refira-se!
O Estado é laico mas mais do que não se querer imiscuir com as regras da igreja, o Estado identifica-se com o ser humano. E que humano não se deixa tentar? E que humano se cinge a existir e a não sentir? O Estado – aqui muito bem representado pelo Meritíssimo, aliás – não é reflexo da sua sociedade? E a sociedade não é a soma de seres pungentes, fervorosos e de coração na boca? Ou almeja-se que sejamos apenas almas tristes e penadas?
Concordemos: O Sr. Diabo é aquilo que todos queremos (e não ousamos) ser: vive no centro do sentir descompassado que nos distingue dos animais; há uma plena simbiose entre o que é e faz: é puro, como todos devemos ser.
Quão Humano é o Meritíssimo?

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